terça-feira, 28 de julho de 2020

O Dia Em Que O Cangaceiro Antônio Silvino Parou Um Trem

Olá amigos do HFPB. Com este título, dá pra imaginar a tão intrigante história que vem por aí. Hoje, 28 de julho de 2020, completa exatos 76 anos do falecimento do famoso cangaceiro Manoel Batista de Morais, vulgo Antônio Silvino, popularmente chamado de "Rifle de Ouro". 
Também o célebre cangaceiro passou a ser conhecido como "Terror da Great Western", devido ao episódio que contaremos a seguir.
Coincidentemente, também na data de hoje, dia 28 de julho de 1938, há exatos oitenta e dois anos, morria juntamente com outros dez cangaceiros em ataque das forças da volante na Grota do Angico - Sergipe, o "Rei do Cangaço", mais precisamente, Virgulino Ferreira da Silva, vulgo "Lampião".
Porém a história se remete ao bandoleiro que literalmente parou um trem de lastro, neste caso, Antônio Silvino. Este fato surpreendente, dignos dos antigos filmes de faroeste norte-americano, aconteceu no dia 8 de novembro de 1906, próximo a Mogeiro, durante as construções de prolongamento do Ramal Itabaiana - Campina Grande.
Este fato foi estampado na capa do jornal A Província de 10 de novembro de 1906, onde a redação do referido jornal recebeu uma carta dos diretores da GWBR para que viesse a tona ao público. Transcreveremos o noticiário abaixo de acordo com a grafia da época:

"Pedimos a v.v.s.s. para ainda uma vez publicardes em vossas columnas mais uma proeza do celeberrimo Antonio Silvino.
Hontem, ás 8 horas da manhã, mais ou menos, quando pelo Mogeiro, do estado da Parahyba, ia passar uma locomotiva em serviço de lastro, na construcção da estrada de ferro de Itabayanna a Campina Grande, notou o machinista, que conduzia a locomotiva, grande agrupamento de gente e o signal de parar a machina.
Effectivamente assim o fez, deparando-se nessa occasião com o sicario Antonio Silvino, que com mais de 12 cangaceiros, todos armados de rifle e cartucheira Á cintura, estacionavam alli á margem da linha.
Parada a machina, que conduzia materiaes e grande numero e trabalhadores, o celebre faccinora convidou ao coronel Francisco de Sá, que é um dos empreiteiros de construcção, para dar-lhe uma palavra em particular no que foi attendido sem relutancia.
Disse-lhe então Antonio Silvino que desejava que a Companhia Great Western desse lhe a quantia de trinta contos de réis, por ter passado a estrada por alli sem seu consentimento, sendo os terrenos de sua propriedade!
O coronel Francisco de Sá ponderou-lhe que isso não era com elle e sim com o engenheiro da Companhia.
N'essa occasião voltou-se o Antonio Silvino para um rapazinho inglez, que é auxiliar do engenheiro e que tambem ia no lastro e perguntou: é aquele ?
O coronel Francisco de Sá prometteu lhe falar com o engenheiro e nessa occasião deu-lhe cem mil réis, por elle lhe ter pedido pra o almoço dos rapazes.
Depois disso, o celebre bandido internou-se pelo matto; seguindo então o lastro para o Ingá, onde está o serviço do avançamento da estrada.
- Antes do encontro com a machina, Antonio Slvino prendeu um cabo que estava trabalhando na estrada e perguntou-lhe se a machina pararia com um signal seu, ao que o cabo respondeu affirmativamente; porque do contrario eu arrancava já, alguns trilhos, disse o bandido, e queria ver se ella parava ou não.
Não obstante a affirmativa do cabo, que ficou preso até a chegada da machina, Antonio Silvino mandou arrumar uma pilha de dormentes sobre os trilhos, ainda na duvida se a machina pararia ou não.
É preciso notar que o Mogeiro dista da cidade de Itabayanna apenas 3 leguas e neste logar nem uma palha moveram as autoridades competentes!"  

Como vimos acima, realmente foi uma ação ousada no bandoleiro, exigindo "reparações" a companhia por ter "invadido" seu território sem sua "autorização". 
Antônio Silvino, tinha como raio de ação justamente esta área, que anos anos tinha instalado "quartel general" em terras do município de Ingá, se apropriando dessas terras, terras estas que conhecia muito bem, desde seu primeiro ataque na região, quando no dia 17 de fevereiro de 1899, juntamente com outros 21 cangaceiros, atacaram a vila do Ingá, incendiando casas e acometendo toda a sorte de violência. Daí, foram em destino ao povoado de Riachão (Riachão do Bacamarte), onde praticaram mais crimes contra a população local. Em seguida o grupo estabeleceu no Surrão, sítio do município ingaense, como afirmado anteriormente, montou "quartel general", daí o ensejo do cangaceiro se achar "dono dessas terras". 
A partir dessa localidade, o bando planejou inúmeros ataques as vilas, povoados e áreas rurais, entre os estados da Paraíba e Pernambuco
Porém, voltemos a nos remeter especificamente ao fato ocorrido em Mogeiro. A partir desse acontecido, de acordo com o jornal A Província de 27 de novembro de 1906:

"Ouvimos dizer que se acha "prompta", por ordem do governo federal, uma força de 100 praças do exercito, sob o commando do sr. capitão Formel, escalada para seguir em deligencia ao interior com o encargo de capturar Antonio Silvino e sua quadrilha de salteadores.
Informam-nos que auxiliarão o sr. capitão Formel nesse valioso serviço quatro officiaes subalternos.
A força aguarda a requisição do superintendente da Great Western."    

Era o "conflito" travado entre o Antônio Silvino X GWBR. Fato mais que comprovado, durante anos ele agia livremente durante o interior nordestino, levando para essas localidades "sua forma de agir e governar".
No livro do amigo William "Eddie" Edmundson, A Gretoeste - A História da Rede Ferroviária Great Western of Brazil - 2016, em um trecho traz a seguinte passagem:

"Antônio Silvino e seu bando de cangaceiros perseguiam engenheiros britânicos que trabalhavam no sertão da Paraíba, ameaçando os operários, cortando linhas de telégrafo, danificando os trilhos e extorquindo dinheiro dos passageiros."

Apesar desse revés, o prolongamento até a "Rainha da Borborema" seguiu com cronograma de três anos de prazo de serviços, sendo inaugurado no dia 2 de outubro de 1907, porém, na viagem inaugural a tensão estava pairando os passageiros convidados com as frequentes ameaças do bandoleiro afirmando que "viraria o trem no dia da inauguração". Essa história será assunto para uma futura postagem. 
A imprensa na época divulgou massivamente esse episódio. Na edição de número 264 de 5 de outubro de 1907 da célebre revista carioca O Malho, traz uma interessante charge mostrando o bandoleiro vestido com uma pele de "tigre" e "lanças", "negociando" com um diretor inglês da Great Western, charge esta que destacaremos mais adiante.
Uma pergunta ainda paira depois de mais de 100 anos desse episódio, será que a companhia pagou os tais 30 contos de réis exigidos do bandoleiro, ou ficou apenas na ameaça ?. 
Este "conflito" com a Great Western só terminaria anos mais tarde, com a captura do famoso bandoleiro no dia 24 de novembro de 1914, quando Antonio Silvino é ferido e preso, em Lagoa da Laje - Pernambuco, na fazenda de Joaquim Pedro, pelo alferes Theophanes Ferraz Torres, comandante de uma das forças volantes. Naquele tiroteio muitos cangaceiros morreram e poucos conseguiram fugir.
Nesse tiroteio uma bala de fuzil atravessou o pulmão direito de Antonio Silvino, indo sair na região subaxilar. Mesmo ferido, conseguiu chegar à residência de um amigo e se entregou à polícia. 
Foi transportado em um trem especial da Great Western, a partir da estação de Caruaru até  Recife, onde uma multidão o aguardava, querendo ver, de perto, o famoso cangaceiro. 
Antônio Silvino passou 23 anos, 2 meses e 18 dias da sua prisão, e no dia  19 de fevereiro de 1937, foi libertado, quando recebeu o indulto do Presidente Getúlio Vargas
Levando uma vida normal, vivia numa casa modesta, com a prima Teodulina Alves Cavalcanti que morava com o esposo. Morreu 7 anos depois da sua libertação, aos 69 anos de idade, na Rua Arrojado Lisboa, em Campina Grande, por volta das 19:00 horas daquele frio 28 de julho de 1944.
Essa com certeza é uma das passagens mais intrigantes da história do cangaço em todo território paraibano. Fica aqui uma lembrança desse fato pitoresco.  

Fontes: 
A Província - 03 de março de 1904. 
A Província - 10 de novembro de 1914. 
A Província - 27 de novembro de 1906. 
A Gretoeste - A História da Rede Ferroviária Great Western of Brazil, William Edmundson. Editora Ideia, João Pessoa, 2016.
Bismarck Martins de Oliveira – O Cangaceirismo no Nordeste – 2ª ed. – João Pessoa – 2002.

Montagem gráfica mostrando o conflito entre o cangaceiro Antônio Silvino com a Great Western. OBS: a logo ao lado não se refere especificamente a logomarca da GWBR, esta era uma das placas localizadas ao lado dos carros de passageiros da companhia.

Interessante charge onde mostra uma "negociação" entre o famoso bandoleiro e um diretor da companhia inglesa. Notar o "manto de pele de tigre" e "lanças", aludindo ao grupo de Antônio Silvino. 
Fonte: Revista O Malho de 5 de outubro de 1907. OBS: O referido volume saiu três dias depois da inauguração do ramal Itabaiana - Campina Grande.

Interessante charge da "Fera Dominada e Presa". Fera esta o cangaceiro Antônio Silvino. Fonte: O Malho n°640 de 19 de dezembro de 1914. 

O bandoleiro fotografado durante sua pena na Penitenciária do Recife. Fonte: Eu Sei Tudo, março de 1924.  

Casa de Teodulina Alves Cavalcanti, prima do bandoleiro. Foi aqui nesta humilde residência localizada na Rua Arrojado Lisboa, que no dia 28 de julho de 1944 faleceu Antônio Silvino. Fonte: http://cgretalhos.blogspot.com/2018/01/o-cangaceiro-antonio-silvino-viveu-e.html#.Xx8egFVKjIV

Capa do livro do amigo William "Eddie" Edmundson, onde conta a história da Great Western of Brazil Railway em quatro estados nordestinos, além da história contata acima envolvendo o bandoleiro e a companhia inglesa.

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