segunda-feira, 15 de março de 2021

Gazeta do Sertão - 26 de Maio de 1981 - "Defendida a Volta dos Trens de Passageiros"

Olá amigos do HFPB. Há quase quarenta anos, o imemorial jornal Gazeta do Sertão, com matéria de 26 de maio de 1981, estampava o seguinte título: "Defendida a volta dos trens de passageiros". 
Como havia postado anteriormente, através do jornal Diário da Borborema, o tráfego de passageiros fora interrompido no mês de setembro de 1980. Desde esta data os trens de passageiros em direção ao Sertão, Fortaleza, Itabaiana, Recife, enfim, entre outras localidades, deixaram de circular pelo interior do Estado, causando transtornos imensos para os usuários deste meio de transporte. 
Na matéria de maio de 1981, esta espera já angustiava ainda mais os usuários, especialmente os mais carentes, acostumados a utilizarem o trem de passageiros como o único meio de locomoção para as localidades contempladas. 
Segundo o então Chefe da Estação de Campina Grande, o Sr. Adauto Emídio de Souza, de acordo com a matéria:

"O corte das linhas de passageiros prejudicou não somente a população carente de Campina Grande, mas ainda, de outras cidades próximas, 'que vem sofrendo bastante, uma vez que não tem dinheiro suficiente para pagar viagens de ônibus, hoje bastante elevadas em decorrência da alta do combustível."

Na época, o transporte rodoviário (linhas de ônibus intermunicipais e interestaduais) era bastante caro para as pessoas mais humildes que não tinham condições suficientes para pagaram por uma passagem entre Campina Grande a Recife, por exemplo. Por isso, que a importância do trem de passageiros era fundamental para estas pessoas com baixas condições financeiras.
Com a decisão de desativação do transporte de passageiros pelo interior paraibano em 1980 por motivos "desconhecidos", o tráfego ficou restrito apenas para trens de cargas, mesmo assim, com a paralisação dos trens de passageiros, o número de funcionários empregados continua o mesmo, aproximadamente de 50, sem diminuição do quadro.
O então Chefe da estação, o Sr. Adauto, que trabalha nesta função na estação local há três anos, tem a esperança de voltar este transporte que tanto ajudou a modelar o quadro sócio-econômico-cultural de inúmeras localidades, inclusive Campina Grande. Assim frisou:

"...a população de Campina além de ser beneficiada com um transporte relativamente barato, aproveitaria para a condução de gêneros de primeira necessidade, evitando assim o alto preço do frete rodoviário."

Tudo indica que os apelos e anseios da população pela volta do trem de passageiros não sensibilizaram as autoridades responsáveis pelo tráfego ferroviário deste país. Foi para nunca mais voltar. Ficando apenas com o transporte de cargas.  
Muitas estações fecharam suas portas, já que o transporte de passageiros era a vida útil destas, inúmeras foram abandonadas e demolidas nos anos posteriores. 
No início da década de 2010 era a vez dos trens de cargas deixarem definitivamente de circular pelo interior paraibano, pondo um fim a mais de 100 anos de história do transporte ferroviário na região. Hoje a estação de Campina Grande, assim como outras espalhadas pelo interior do Estado, se encontra totalmente abandonada e em estado deplorável, sem a menor perspectiva de retorno.

A estação de Campina Grande em 1980, ano das últimas viagens de trens de passageiros pelo interior do Estado

terça-feira, 9 de março de 2021

Obras D'Artes - Mais um Grande Bueiro em Arco - Sítio Antas - Puxinanã

Olá amigos do HFPB. Em visita recente ao município de Puxinanã, percorrendo trecho de aproximadamente 4,5 km entre as ruínas da estação local até um pontilhão no Sítio Saulo Maia, por volta do km 3,6 (a partir da estação) no lugar conhecido como Sítio Antas, me deparei com um terceiro grande bueiro em arco.  
Sim, um terceiro grande bueiro de escoamento das águas de um riacho que corta boa parte do município de Puxinanã. Até então tinha conhecimento de outros dois grandes bueiros, construídos pela Empresa Construtora Camilo Collier a partir da segunda metade da década de 1940, quando os trabalhos de prolongamento foram iniciados, sendo este trecho, entre Campina Grande e o então Distrito de Puxinanã entregue em 4 de abril de 1951. 
Inclusive, já foram temas de uma postagem em 2020, na época, não tinha conhecimento da existência deste outro grande bueiro em arco na região, mas tinha suspeitas. Então fui investigar pessoalmente in loco, e as suspeitas foram confirmadas, havia um terceiro grande bueiro em arco na região. Este bueiro ao que me parece, corta o mesmo Rio Bodocongó. Aliás, o percurso da linha férrea no município de Puxinanã em grande pate de seu município segue paralelo a este tributário até adentrar no município de Campina Grande formando o Açude de Bodocongó, este segue por quilômetros até desaguar no Rio Paraíba
Lógico, a população local já conhecia há décadas esta obra d'arte, porém para um pesquisador novato da ferrovia paraibana isto era novidade.
O local até o referido bueiro é um pouco dificultoso, devido a altura do aterro onde o mesmo se localiza, cercas com arame farpado e a vegetação local, enfim, dificultando de certa forma o acesso.  
O referido bueiro tem as seguintes dimensões: 12,85 metros de comprimento (de uma entrada a outra), 6 metros de largura, 6 metros de altura (boca), 12,85 metros (comprimento das ombreiras).
Constatei que em largura e altura este bueiro é um pouco maior que os dois já mencionados anteriormente. 
O que impressiona é o tão bem feito trabalho empregado na época de sua construção, evidenciando a solidez e durabilidade da obra, já que se passaram mais de 70 anos desde sua construção, mesmo com o completo abandono que a malha do interior do Estado vem sofrendo há mais de 10 anos. A vegetação cobre a maior parte do trecho, sem a menor perspectiva de um possível retorno, parece mesmo ser o fim do transporte ferroviário no interior paraibano.
Realmente foi um dia incrível a então "descoberta" desta magnífica obra d'arte, confira abaixo as imagens desta bela obra:
 
O grande bueiro do Rio Bodocongó no Sítio Antas. Aspecto da entrada oeste

Aspecto da entrada oeste

Aspecto da entrada leste

Mais um aspecto da entrada leste

Alto da boca

Interior do mesmo

Comparativo de minha altura com a do bueiro. Entrada oeste

Aspecto de construção de um bueiro em arco semelhante ao bueiro do Sítio Antas em Puxinanã. Caracterizado por métodos ingentes. Notar a plataforma onde seriam despejados areia para a conclusão do aterro. Fonte: O Observador, dezembro de 1947

Colocação de cimbre de um bueiro em arco. Fonte: O Observador, dezembro de 1947

Mapa da obras até então realizadas no prolongamento entre Campina Grande e Patos. Fonte: O Observador, dezembro de 1947

Detalhe do trecho construído entre Campina Grande e Puxinanã, no Km 17, até 1947. Fonte: O Observador, dezembro de 1947

Mapa do Google Earth mostrando o trecho percorrido entre as ruínas da Estação de Puxinanã até o local do Bueiro no Sítio Antas, total de 3,6 km entre as duas localidades

quinta-feira, 4 de março de 2021

120 Anos da Inauguração da Estação de Itabaiana

Olá amigos do HFPB. No dia 5 de janeiro (desculpem pela demora em postar), comemorou-se 120 anos de inauguração da estação de Itabaiana com a chegada oficialmente do primeiro trem.  
De acordo com o ótimo livro, Itabaiana, Sua História - Suas Memórias 1500 - 1975 de Sabiniano Maia:

"Itabaiana, como as demais localidades do Estado, sofria deficiência de estradas transitáveis, isto desde o século dezesseis até meados do dezenove, quando a estrutura viária começou a despontar na consciência do administrador público, à frente de problemas outros, de ordem prioritária...
Até então, não havia estradas, existiam, sim, veredas matas a dentro, que com o tempo, se transformavam em caminhos, cabendo apenas um animal. Fora mais de um, e a fila indiana obrigatória.
Chegando o carro de boi, os caminhos se alargavam, permanecendo, contudo, os atoleiros, às vezes intransponíveis"...

Essa foi a realidade de inúmeras localidades pelo interior do Brasil afora por muito tempo. As dificuldades eram gigantescas, e o perigo em transitar estradas tão primitivas exigiam o máximo de conhecimento, cuidado e perícia dos pioneiros condutores. 
A maioria dessas conduções eram feitas montados em lombo de cavalos, mulas, ou no carro de boi, como mencionado, e o perigo estava sempre a espreita, seja por saqueadores, ou pela própria geografia em contornar rios, serras e montanhas, desfiladeiros, vales suntuosos,  cânions,  enfim, uma gama de situações que exigiam cuidados redobrados.   
Passado séculos, a situação começa a mudar a partir da segunda metade do século XIX, mais precisamente a partir da década de 1850, um transporte mais eficiente que o carro de boi apareceu em terras nacionais.
Na Paraíba, como postado anteriormente, o transporte ferroviário teve início em 1875, quando foi organizada em Londres, Inglaterra, uma companhia com finalidade específica em implantar tal benefício no Estado, companhia esta que se chamaria The Conde D'Eu Railway Company Limited, ou simplesmente, Conde D'Eu
Os trabalhos de construção da primeira linha férrea da Paraíba tiveram início em 9 de agosto de 1880, e em 7 de setembro de 1883 foi inaugurado o tráfego da linha principal até a povoação de Caramazal (Mulungu).
Em 28 de dezembro de 1883, a ferrovia atingia Pilar, importante centro agro-pastoril do vale do Rio Paraíba. Não prosseguindo o prolongamento a partir daquele ponto em encontro ao Estado de Pernambuco enquanto a Conde D'Eu era detentora da malha ferroviária. 
Em Recife, outra companhia se organizava para colocar fim nesta distância entre as capitais de ambos estados, era a "Estrada de Ferro do Recife ao Limoeiro". Já no final da década de 1880, já alcançava a cidade de Timbaúba, na divisa com o Estado da Paraíba, era um sonho se tornando realidade. 
Segundo mais uma vez o livro Itabaiana, Sua História - Suas Memórias 1500 - 1975 de Sabiniano Maia:

"A viagem entre as duas capitais, demandava um período de três dias: no primeiro, de trem da Paraíba (capital) ao Pilar; no segundo, a cavalo, do Pilar a Timbaúba, passando por Itabaiana; no terceiro, retomando o trem em Timbaúba, para chegar à tarde ao Recife. O regresso obedecia ao mesmo itinerário."

Aquela situação não poderia de forma alguma prosseguir. O contrato original da Conde D'Eu previa que apenas chegar até Pilar, não avançando a partir desta localidade, ficou a Estrada de Ferro Recife ao Limoeiro ficar na incumbência deste prolongamento, entre Timbaúba e Pilar.  
Em julho de 1900, no limiar do novo século, assentou os trilhos na estação de Rosa e Silva, divisa com a Paraíba.  

"Além da esperança de novas inaugurações, notava-se uma sensação de alívio em quem vinha do Pilar pegar o trem em Rosa e Silva, poupando-se do saculejo do lombo do animal em cerca de doze quilômetros, se houvera de ir à Timbaúba". 

Finalmente, seis meses depois, em 5 de janeiro de 1901, o tão aguardado dia havia chegado. Era a inauguração do trecho até Itabaiana, com um trem recebido em grande festa popular, trazido pela Estrada de Ferro Recife ao Limoeiro. A locomotiva estava enfeitada com folhas de palmeira catolé, abundantes, à época, na região.
A estação seguia o modelo de construção simples, sem maiores adereços arquitetônicos em sua fachada, com duas plataformas, uma na própria estação e outra defronte desta.

No limiar do novo século, eis que Itabaiana recebe um presente e tanto. O desenvolvimento no local não tardou, já que inúmeros prédios vistosos, praças, coreto, energia elétrica, indústrias e até mesmo um sistema de bondes puxados a força equina apareceram em poucos anos após a introdução do transporte ferroviário. 
Fatores estes que puseram Itabaiana como uma das cidades mais prósperas da Paraíba na primeira do século XX.

A estação a partir de então, tornou-se ponto de encontro da sociedade local. O trem "ditava" o cotidiano das famílias itabaianenses na época. Isto de certo modo seria uma vantagem para a localidade, já que diferentemente de outras localidades, a estação se localizava no perímetro urbano, sem a necessidade de locomoção em distâncias consideráveis por estradas "poeirentas" e "lamacentas" em períodos chuvosos, afim de pegar o trem de passageiros na gare da estação.
Porém, por outro lado, a pequena distância com o centro da cidade, causou transtornos em boa parte da população. Este por muitas vezes, tirava o sossego das famílias: "...tornando-se com seu apito estridente, questão de vida e morte para seus habitantes." Como frisou em trecho do livro Itabaiana, Sua História - Suas Memórias 1500 - 1975 de Sabiniano Maia.
Prosseguindo com a narrativa do referido livro, de acordo com o jornal local Correio da Manhã de 25 de agosto de 1912 trazia da seguinte maneira: 

"Todas as famílias que moram às margens da linha acordam assombradamente pelo tremor e apitos estridentes. Há poucos o Sr. Francisco Laudelino perdeu o seu filho em consequência desses apitos desmedidos alta noite, e o Dr. Benicio de Carvalho retirou da margem da linha sua família por não suportar por mais tempo semelhante absurdo." 

Realmente era uma situação complicada para inúmeras famílias. Era um preço que famílias inteiras iria pagar. O transporte ferroviário trouxe incontáveis benefícios a Itabaiana, mas em contrapartida, também, estava o terrível incomodo que o transporte causava. 
O fator principal foi ter construído a linha no perímetro urbano, caso os engenheiros na época tivessem construído a estação um pouco mais afastado do centro, estes aborrecimentos por grande parte da população seriam sanados. 
Mas para "alívio" da população, anos mais tarde fora construída uma estação no local chamado Triângulo, onde partiam os ramais para Campina Grande (a partir de 1907), João Pessoa e para Recife. Fato este que amenizou em parte as constantes reclamações, já que o Triângulo ficava em um espaço amplo para manobras e afastado do centro da cidade. 
Por mais de sessenta anos, a velha estação serviu honrosamente a população de Itabaiana, sendo fechada na década de 1960, para não mais voltar. Apenas no Triângulo os passageiros puderam pegar trens em destino as localidades diversas onde a malha ferroviária era contemplada. 
Desde o início da década de 2010 o ramal foi abandonado, não trafegando mais trens de carga pelo outrora movimentadíssimo complexo. Hoje regalada apenas as memórias dos mais entusiastas.
A estação ficou tempos fechada, serviu de depósito, serralharia e há mais ou menos uns 10 anos, a velha estação foi adquirida para a instalação de um hotel, chamado de Hotel Estação Velha. Passou por ampliações e alterações longo dos anos, mas ainda conserva grande parte da estrutura original. 

Fonte: Itabaiana, Sua História - Suas Memórias 1500 - 1975,  Sabiniano Maia, João Pessoa, 1976.

Estação de Itabaiana no ano de 1959. Na época a estação se chamava "Tabaiana". Fonte: Revista Manchete, 1959.

Composição de passageiros chegando a estação de Itabaiana tracionada pela locomotiva do tipo mogul da North British número 258. Fonte: Revista Manchete, 1959.

Composição de passageiros tracionada pela locomotiva número 270, ao longo da estação de Itabaiana na década de 1950. Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil.

Aspecto da estação há cerca de 10 anos atrás, transformada no Hotel Estação Velha. Notar os resquícios da plataforma ao centro.

Atual Hotel Estação Velha. A estação apesar das reformas e alterações ao longo dos anos, ainda guarda boa parte da arquitetura original da primeira década do século XX. Notar no canto esquerdo restos da antiga plataforma central.

Janela da estação ainda guarda sua originalidade do início do século XX. Atual Hotel Estação Velha.

Ilustração produzida por Haziel Pereira em 2016 do atual Hotel Estação Velha. Fonte: http://arquiteturaelugarcg.blogspot.com/2016/03/estacao-ferroviaria-de-itabaiana-pb-um.html